Olá pessoal! Hoje queria trazer para vocês uma reflexão sobre o tal do “paladar infantil”. Certamente você conhece alguém na sua família ou tem algum amigo ou outra pessoa próxima (já adulto) que apresenta uma seletividade alimentar específica para determinados alimentos e uma preferência aumentada por outros. Na maioria das vezes esse comportamento é traduzido em recusar uma variedade de verduras e legumes e preferir alimentos gordurosos e muito doces ou salgados.
E como esse é um comportamento alimentar que infelizmente é visto com frequência entre as crianças, essas pessoas são vistas como tendo um “paladar infantil”. Assim, de certa forma passamos a considerar normal esse comportamento entre as crianças. Porém, quando ocorre entre os adultos, o mesmo comportamento é visto como um transtorno. O chamado transtorno alimentar seletivo (TAS) ou transtorno alimentar restritivo evitativo (TARE).
Como nutricionista, acredito que ao considerarmos normal uma criança rejeitar alimentos ditos saudáveis, como as frutas e legumes e preferir guloseimas, batata frita, sorvete e fast food dentre outros menos saudáveis, passamos a prejudicar efetivamente o seu comportamento alimentar como um todo. E isso vira uma bola de neve, já que esperamos que isso faça parte apenas do período da infância desaparecendo até a vida adulta. Entretanto, isso não ocorre na maioria das vezes. Isso porque as crianças seletivas, em sua maioria, se tornam adultos com um hábito alimentar extremamente prejudicado.
Isso ocorre porque o paladar é algo moldado e que está intimamente ligado ao comportamento e hábito alimentar. Assim, dificilmente essa criança que apresenta diversas restrições se tornará um adulto que irá consumir uma alimentação equilibrada e variada.
Sendo assim, deixo aqui uma pergunta: não estamos influenciando de forma negativa o hábito alimentar e a saúde de uma pessoa ao considerarmos normal esse comportamento restritivo na infância?
A construção do paladar começa na infância
O nosso hábito alimentar é construído ainda na infância. Eu diria ainda mais, antes mesmo de nascermos já temos nosso primeiro contato com os sabores dos alimentos. Ainda no útero começamos a conhecer, através do líquido amniótico, os sabores dos alimentos que a mãe consome. Assim, nossas preferências alimentares podem sim sofrer influência ainda no período da gestação. E ao longo da amamentação também, já que o leite materno apresenta os compostos químicos que dão cheiro e sabor aos alimentos, o que também irá influenciar as preferências alimentares da criança.
A importância da introdução alimentar na formação do paladar infantil
A fase de introdução alimentar é fundamental para a construção do hábito alimentar do indivíduo e para a educação do seu paladar. É nessa fase que passamos de fato a conhecer os alimentos em suas formas, cores, texturas e sabores. Por isso, é um momento onde precisamos ter muita atenção com a qualidade nutricional dos alimentos que estão sendo oferecidos ao bebê.
Uma introdução alimentar bem conduzida irá permitir com que a criança cresça sem muitas restrições alimentares. E isso levará a uma alimentação diversificada e adequada do ponto de vista nutricional. Essa alimentação, assim, irá reduzir ou mesmo evitar o surgimento de carências nutricionais específicas na infância como a anemia ou a deficiência de cálcio, por exemplo. E irá evitar que essa criança se torne um adulto com um “paladar infantil”.
E se você tem dúvidas sobre a introdução alimentar, não deixe de conferir as minhas 12 dicas para a introdução alimentar do seu bebê.
Como educar o paladar do bebê?
Os bebês estão em constante aprendizado e com a alimentação não é diferente, afinal comer também se aprende! Nos primeiros dias da introdução alimentar, é natural e até mesmo esperado que o bebê recuse os alimentos. E até mesmo demore a aceitar a nova alimentação, afinal, até então ele só tinha contato com o leite materno.
Ao iniciar a introdução alimentar, precisamos permitir que o bebê tenha contato com o sabor natural dos alimentos. Assim, estaremos educando o seu paladar e evitando a seletividade alimentar. E também, a formação de adultos com um paladar infantil. Por isso, é importante que a criança tenha contato com a variedade de sabores proveniente dos diversos alimentos colocados à sua disposição.
Mas meu filho não gosta de determinado alimento, o que eu faço?
Se seu filho recusa determinado alimento nos primeiros contatos com ele, não significa que simplesmente ele não goste e por isso não irá mais aceitar! É muito comum ouvir dos pais frases como – “eu dei cenoura para o meu filho, mas ele comeu duas colherzinhas e logo cuspiu, ele não gostou” – e aí o que acontece? Os pais param de oferecer cenoura por achar que a criança simplesmente não gostou. E esse comportamento é responsável por iniciar uma seletividade alimentar. Provavelmente, essa criança de fato passará a recusar a cenoura, já que ela tem pouco contato com esse alimento.
Mas então o que fazer no caso da recusa de um alimento?
Vamos ao exemplo da cenoura que eu dei acima. Se você colocou cenoura no seu prato e seu filho teve reação de aversão, cuspiu ou deixou de lado, não deixe de oferecer novamente! Continue oferecendo nas próximas refeições, mudando a forma de preparo. Ou seja, se hoje você ofereceu cenoura cozida e ele não quis, amanhã você oferece ela em forma de purê ou assada. E numa nova refeição, você volta a oferecer ela cozida. Assim, seu filho irá sempre ter contato com esse alimento e então passará a aceitá-lo. Isso porque ele estará mais familiarizado com o seu sabor e textura.
A educação do paladar se faz através da oferta repetida dos alimentos.
As crianças apresentam um comportamento muito comum, chamado de neofobia: o medo do novo. Por isso, ao entrarem em contato com determinado alimento que ela ainda não tenha comido, é comum que ela estranhe e não queira consumir. Muitos estudos têm demonstrado que em alguns casos é preciso oferecer para a criança um mesmo alimento por diversas vezes até que então ela passe de fato a aceitar.
Por isso, é muito importante que tenhamos paciência diante das primeiras recusas alimentares. E assim, continuemos a oferecer os alimentos ou preparações rejeitadas. A ideia é ensinar a criança a experimentar diversos alimentos e permitir que ela conheça vários sabores, cores e texturas presentes nos alimentos.
A educação do paladar deve ser feita também mostrando para a criança o que de fato ela está consumindo. Por isso, não é recomendado que se esconda os legumes nas preparações. A criança precisa saber o que ela está comendo. Que aquele sabor e cor é de determinado alimento, como um legume específico, por exemplo. E que a presença dele em determinada preparação a torna ainda mais saborosa.
E lembre-se de não usar de castigos, recompensas ou táticas de distrações para fazer a criança se alimentar. Pois esse tipo de estratégia não irá fazer com que de fato ele passe a aceitar os alimentos rejeitados. Pelo contrário, irá gerar uma relação ainda mais negativa com eles.
Por último, se você está com dificuldade de fazer seu filho comer, confira meu post “Meu filho não quer comer. O que fazer”.
As crianças têm mais preferência pelo paladar doce
Quando falamos de paladar infantil, vem logo em nossas mentes a imagem de uma criança se lambuzando com um pedaço de chocolate ou com vários doces, balas, brigadeiros, sorvete etc. Isso porque as crianças têm uma preferência natural pelo sabor doce dos alimentos. E é justamente por isso que falamos tanto sobre a importância de adiar cada vez mais a oferta do açúcar para as crianças.
Mas quando falamos do açúcar, nos referimos justamente àqueles alimentos que eu usei no exemplo da imagem da criança acima. Pois a oferta de alimentos ricos em açúcares e com um sabor muito doce irá prejudicar assim o consumo de alimentos naturalmente doces, mas com uma intensidade de doce menor, como por exemplo as frutas.
A modulação do paladar e o início do paladar infantil
O paladar é facilmente moldado de acordo com algumas preferências. E essas preferências podem ser determinadas justamente nos primeiros anos de vida. Especificamente nos dois primeiros anos. Isso porque, nessa fase, a criança apresenta um paladar mais sensível e mais fácil de ser influenciado.
Por isso, a recomendação de restringir açúcar e alimentos muito salgados e gordurosos antes de a criança completar 2 anos visa justamente evitar a modulação do paladar. Ou seja, evitar que ela tenha preferência por alimentos muito doces, salgados e gordurosos. O que inevitavelmente fará com que ela venha a ser seletiva e passe a rejeitar alimentos com sabores mais naturais como frutas e legumes. E consequentemente, desenvolva o problema do paladar infantil.
Mas é claro que isso não significa que no dia seguinte ao seu aniversário de dois anos a criança esteja livre para consumir uma variedade de guloseimas e alimentos gordurosos. Essa oferta deve ser sempre esporádica, não devendo ser parte do seu dia a dia em casa. Ou então, ser usada como troféus ou formas de recompensar a criança por comportamentos positivos na visão dos cuidadores.
Educação nutricional infantil
Conforme a criança vai crescendo, ela começa a entender um pouco mais sobre alimentação. E a conhecer melhor os alimentos que ela está consumindo. Por isso, dizemos que as práticas de educação nutricional devem ser direcionadas não apenas à criança, mas principalmente às pessoas que convivem diariamente com ela.
Envolvimento da família para prevenir o paladar infantil
É no ambiente familiar que a criança irá aprender e reproduzir os hábitos, preferências e até mesmo aversões alimentares. É muito comum vermos pais reclamando que seus filhos são difíceis para comer frutas ou legumes. Mas deixam de perceber que eles próprios não consomem esses alimentos com certa frequência. Ou então, apenas dizem para a criança que é importante ela consumir determinado alimento sem eles mesmos consumirem de fato. Por isso, para lidar com o problema da recusa alimentar e contornar a seletividade alimentar na infância, é preciso um esforço de todos.
E esse esforço deve estar presente nas escolas também, pois trata-se de um ambiente de pleno aprendizado. Nesse sentido, é interessante que os pais conversem com os professores e responsáveis pelo desenvolvimento do conteúdo pedagógico. E peçam que sejam incluídas atividades de educação nutricional, caso a escola ainda não realize. Dessa forma, conseguiremos também fazer com que as crianças sejam estimuladas a terem escolhas alimentares mais acertadas. E além disso, sirvam até mesmo de influenciadoras de um bom hábito alimentar para os integrantes de sua família.
Incluindo as crianças no processo de alimentação
Uma alternativa bacana para quem tem filhos seletivos é fazer com que a criança participe dos momentos em que a alimentação esteja envolvida. E isso inclui mostrar para criança como é feito o planejamento das refeições que serão preparadas em casa, por exemplo. Além disso, levar ela para o supermercado ou feiras e hortifrútis, para que ela veja os alimentos em sua forma natural, despertando assim sua curiosidade. Conforme ela vai crescendo, podemos inclusive deixar a criança participar do preparo dos alimentos. Aí ela pode ajudar a lavar as frutas e vegetais, deixando a etapa de corte e cozimento para os adultos. A criança também pode participar no preparo dos alimentos ao misturar os ingredientes numa massa de bolo, por exemplo. Isso tudo faz com que ela se sinta parte do processo de alimentação. O que ajuda na melhor aceitação dos alimentos, revertendo a seletividade alimentar.
E lembre-se: a seletividade e a recusa alimentar não devem ser consideradas como uma característica própria da infância. Ao pensarmos assim, podemos estar condenando uma pessoa a ter uma alimentação inadequada e restritiva para o resto da sua vida. E criando futuros adultos com paladar infantil e com doenças crônicas e de difícil controle. Pense nisso!
Até a próxima!